Esta
semana, ao desembarcar em Guarulhos, São Paulo, para mais
algumas semanas de trabalho para o Programa Espacial Brasileiro,
observei que o aeroporto estava mais movimentado que o usual.
Fui informado que a situação era causada por um
tipo de “greve” dos controladores de tráfego
aéreo, os quais, de modo louvável e com vistas a
aumentar a segurança de vôo, restringiam o número
de vôos monitorados ao máximo adequado para cada
controlador.
O trabalho do controlador de vôo é, sem qualquer
dúvida, essencial para que tenhamos vôos seguros.
O aumento natural do tráfego aéreo nas regiões
mais populosas é uma grande preocupação das
autoridades mundiais da área. A NASA, já há
algum tempo, desenvolve em San Jose, na Califórnia, um
sistema futurístico de controle de trafego aéreo
onde um supercomputador, conectado aos sistemas de navegação
de solo e das aeronaves, calcula em tempo real todas as rotas
de aproximação e partida do aeroporto. Com esses
dados “em mãos”, ele envia comandos através
dos instrumentos de navegação das aeronaves. Os
pilotos devem, então, simplesmente voar em um “túnel
virtual” nas velocidades corretas, garantindo assim o espaçamento
seguro entre os aviões.
O sistema parece interessante, não é? Contudo, assim
como acontece com outros sistemas “automáticos”,
que visam reduzir as possibilidades de erro humano em fases dinâmicas
de operação, existem muitas regras, extremamente
rígidas, para demonstrar que o equipamento é capaz
de trabalhar nas diversas condições possíveis
e com uma taxa de falha praticamente nula. É o receio natural
de tirar o poder de raciocínio humano do procedimento.
Outro exemplo desse “receio” é o sistema de
pouso automático que equipa algumas das aeronaves mais
modernas de transporte. Sistemas extremamente bem desenhados,
porém ainda não autorizados para uso em todas as
situações.
Portanto, fica claro que teremos a necessidade da operação
humana ainda por muito tempo nas equipes operacionais. Normalmente
essas equipes são compostas por mecânicos, operadores
de solo, controladores, comissários e pilotos. Para que
o vôo ocorra com segurança, é necessário
que todos os elementos do time trabalhem coordenadamente, com
precisão e verificação mútua de possíveis
erros de procedimento.
Note que existe um tipo de troca interessante nessa questão
“operação automática” versus
“operação humana”. É extremamente
difícil substituir o raciocínio humano em tempo
real em todas as situações anormais e de emergência,
contudo o ser humano é suscetível à falhas
e erros de procedimento.
Então, a questão que fica é a seguinte: por
que cometemos erros de procedimento? A resposta curta seria: justamente
porque temos a capacidade de raciocinar! Irônico, não
é? Isso significa que, no momento de executar um item de
procedimento, nossa mente poderia estar “vagando”
em outros pensamentos ou lugares. Como resultado da falta de atenção:
erro de procedimento.
A perda de atenção pode ser causada por muitos fatores,
isolados ou combinados. Grande parte dos estudos teóricos
de prevenção ou análises resultantes da investigação
de acidentes tenta identificar as suas causas. Condições
fisiológicas, medicamentos, treinamento inadequado, estresse
e quebra de seqüência são algumas delas.
Nesse contexto, os grandes atrasos de decolagens, com os passageiros
já embarcados, resultantes da operação limitada
dos controladores, foram um fato que me causou certa apreensão
com relação à segurança de vôo.
Eu mesmo tive a oportunidade de viver essa situação,
em tempos passados e distintos, como piloto e passageiro. Como
passageiro, pude observar que o nível de estresse rapidamente
crescia nos comissários à medida que os passageiros
ficavam cada vez mais inquietos e irritados com o atraso e o desconforto
do calor, visto que os motores não podiam ser acionados
por falta de autorização ou restrição
de combustível.
Pensando do lado dos pilotos, o atraso sempre ocorre entre duas
linhas de procedimento. Isso é uma grande chance de “quebra
de seqüência”, em que um procedimento é
interrompido por alguma razão e, ao retomá-lo, algum
item pode ser esquecido, ou desfeito, ou ter tido parâmetros
alterados. Além disso, soma-se a irritação
e o estresse do atraso também sobre os pilotos que, no
mínimo por algum momento do vôo (partida, táxi,
decolagem, subida, cruzeiro, procedimento de descida, aproximação,
pouso, táxi e corte) estarão com um fator a mais
na sua lista de preocupações: justificar, compensar,
comentar, ou simplesmente “pensar” no atraso.
Uma coisa é certa. O mais importante é sempre a
segurança, pois todo acidente aéreo nos impressiona
e entristece. A perda de tantas vidas, de uma só vez, é
sempre um fato duro, marcante. Tenho trabalhado na área
de prevenção e investigação de acidentes
por quase duas décadas. Durante todo este tempo, testemunhei
e aprendi muitas coisas. Segurança de vôo é
assim. É necessário um trabalho contínuo,
baseado em confiança mútua. É uma estrutura
delicada, construída dia-a-dia. Uma organização
que precisa de todos. A confiança, tão essencial,
pode desmoronar a qualquer momento se algum dos participantes,
aqueles que têm “a mão na massa”, sente-se
ameaçado e deixa de contribuir com suas informações.
O frustrante é que sempre existe a possibilidade de um
novo evento fatal, já que os riscos nunca serão
nulos. Contudo, a cada nova descoberta e contribuição,
nos aproximamos deste ideal.
Assim, a atenção redobrada e consciente nos procedimentos
de todos os membros do time, o bom humor e a “cabeça
fria” são, mais do que nunca, extremamente necessários
para a segurança dos nossos vôos. Isso é a
natureza humana. A maravilha do raciocínio e a possibilidade
de erros!
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